Solemnidad del Santísimo Cuerpo y Sangre de Cristo (Año C)

15 junio 2022

Gen 14,18-20;
Sal 109;
1 Cor 11, 23-26;
Lc 9, 11b-17

O Senhor é sacerdote para sempre.

COMENTÁRIO BÍBLICO-MISSIONÁRIO

Eucaristia – “fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”

«A festa do Corpus Christi convida-nos todos os anos a renovar o enlevo e a alegria por esta maravilhosa dádiva do Senhor, que é a Eucaristia», recordou-nos o Papa Francisco durante o Angelus, na Praça de S. Pedro, no Domingo, 23 de Junho de 2019. Celebramos, portanto, com alegria esta Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, logo após a celebração da solenidade da Santíssima Trindade. Desta sequência emerge a Eucaristia como «dom gratuito da Santíssima Trindade», como o Papa Bento XVI escreveu na sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis precisamente “sobre a eucaristia fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”, tal como expresso no título da exortação. Convido todos a relerem este belo documento para uma devida revisão e aprofundamento do mistério eucarístico (talvez consultando também o Catecismo da Igreja Católica a este respeito). Aqui, poderíamos deter-nos sobre três aspectos interessantes numa perspectiva missionária, seguindo o fio lógico de alguns detalhes peculiares do Evangelho da Missa.

1. O contexto “missionário” da multiplicação do pão

O Evangelho de hoje apresenta-nos de novo o relato da multiplicação do pão segundo São Lucas. Este milagre, que se encontra nos quatro evangelhos (sinal de uma tradição antiga comum), representa uma espécie de “antecipação” da instituição da Eucaristia por parte de Jesus durante a Última Ceia, como é sugerido pelos próprios evangelistas. São Lucas, porém, mais do que os outros, colocou todo o evento num contexto missionário. De facto, o início da passagem que ouvimos com um detalhe genérico – «Naquele tempo, estava Jesus a falar» – corresponde, de facto, ao momento preciso do regresso dos apóstolos depois de terem sido enviados por Jesus «para pregar o reino de Deus e curar os enfermos» (Lc 9, 2). Assim, a multiplicação do pão tem um cenário muito significativo, que gostaria de citar na íntegra: «Quando voltaram, os apóstolos contaram-Lhe tudo o que tinham feito. Tomando-os consigo, retirou-Se a sós para uma cidade chamada Betsaida. As multidões, porém, quando o souberam, seguiram-n’O. E Ele, acolhendo-as, falava-lhes do reino de Deus e curava os que tinham necessidade de cuidados» (Lc 9, 10-11).

À luz de uma descrição tão precisa de São Lucas, emerge claramente a perspectiva missionária do evento. Os Doze “apóstolos”, ou seja, os “enviados”, regressaram da sua missão. Jesus previu passar um tempo junto com eles, “retirados”, mas por causa das multidões que “O seguiram”, Ele já não descansou. Pelo contrário, Ele “acolheu-as” e “falava-lhes do Reino de Deus e curava...”, realizando exactamente as duas actividades confiadas aos Doze na sua missão, como vimos antes (cf. Lc 9, 2). A este respeito, vêm-me à mente as palavras do profeta de Deus, cheio de zelo pela salvação do povo: «Por amor de Sião não me calarei, / e por amor de Jerusalém não descansarei, / até que saia a sua justiça como um resplendor / e a sua salvação como uma tocha acesa» (Is 62, 1). Estas palavras encontram agora a sua plena realização em Jesus.

2. O pão “completo” oferecido por Jesus

A missão então de proclamar o Evangelho, mesmo num tempo “inoportuno”, para usar a expressão de São Paulo, continua, apesar do cansaço físico. A multiplicação do pão é, assim, enquadrada neste contexto da incansável missão de Jesus em favor do Reino de Deus. E tudo começa com a bela acção de acolhimento, um sinal de amor sem limites, ao ponto de Se esquecer de Si próprio para servir os outros. Tanto é assim que a passagem paralela no Evangelho de Marcos explicita que, Jesus, «ao sair, viu uma numerosa multidão e compadeceu-Se profundamente deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas» (Mc 6, 34).

Além disso, como é sublinhado no relato lucano, antes de alimentar o povo com pão, Jesus ensinou-lhes as coisas de Deus até ao declinar do dia! Deste modo, naquele dia memorável, o pão que Ele partilhou com a multidão não era apenas o pão material de cevada ou de trigo, mas também e sobretudo o pão da Palavra de Deus. Jesus cuidou de modo “completo” do povo, dando-Se a Si próprio na missão.

O mesmo acontece com o “pão eucarístico” que Jesus oferece com a instituição da Eucaristia, quando chegou a sua “hora”. Será o pão do Seu corpo e o sangue da Sua carne «pela vida do mundo» (Jo 6, 51), mas ao mesmo tempo será também o pão do ensinamento d’Ele, a Palavra de Deus, que tem «palavras de vida eterna», como se vislumbra no longo Discurso Eucarístico de Jesus, após a multiplicação do pão no Evangelho de João (cf. Jo 6, 26-58. 68). Este é o pão “completo” que Jesus amavelmente oferece para a salvação do mundo.

A este respeito, é indicativa a reflexão do Papa Bento XVI:

Na Eucaristia, Jesus não dá «alguma coisa», mas dá-Se a Si mesmo; entrega o Seu corpo e derrama o Seu sangue. Deste modo dá a totalidade da Sua própria vida, manifestando a fonte originária deste amor: Ele é o Filho eterno que o Pai entregou por nós. Noutro passo do evangelho, depois de Jesus ter saciado a multidão pela multiplicação dos pães e dos peixes, ouvimo-l’O dizer aos interlocutores que vieram atrás d’Ele até à sinagoga de Cafarnaum: «Meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão que vem do céu. O pão de Deus é o que desce do céu para dar a vida ao mundo» (Jo 6, 32-33), acabando por identificar-Se Ele mesmo – a Sua própria carne e o Seu próprio sangue – com aquele pão: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a Minha carne que Eu darei pela vida do mundo» (Jo 6, 51). Assim Jesus manifesta-Se como o pão da vida que o Pai eterno dá aos homens (Sacramentum Caritatis 7).

3. O Pão de Jesus e a missão da comunidade dos crentes

Voltando ao relato evangélico da multiplicação do pão, notamos que a missão de Jesus foi uma missão partilhada com os apóstolos. Eles, que já colaboravam com Jesus na proclamação do Reino e no cuidado dos doentes, seriam também chamados a cooperar com Ele no milagre do pão no final do dia. Com efeito, quando quiseram mandar embora a multidão para ir “procurar alimento”, «Jesus disse-lhes: “Dai-lhes vós de comer.”» Além disso, os apóstolos são convidados a mandar sentar o povo “em grupos de cinquenta”, organizando-os tal como no momento da viagem do Povo de Deus no deserto (cf. Ex 18, 21. 25). Ainda mais importante, é que são precisamente os discípulos que receberão de Jesus os pães e os peixes para os distribuirem pela multidão: «Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. [literalmente, “abençoou-os”]. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão» (Lc 9, 16). Por fim, na menção de que «ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram», pode-se intuir que terão sido estes discípulos a recolhê-los (como explicitado no Evangelho de João [cf. Jo 6, 12-13]).

Como na multiplicação do pão, Jesus envolveu os Seus discípulos, o mesmo aconteceu no Mistério Eucarístico com a ordem explícita: «Fazei isto em memória de Mim.» Aliás, esta recomendação é repetida duas vezes no relato de São Paulo na segunda leitura, depois das palavras sobre o pão e das palavras sobre o vinho. Deste modo, São Paulo concluiu o seu relato conciso com uma observação valiosa sobre a dimensão da proclamação de Cristo que anda de mãos dadas com a participação na Eucaristia: «Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha» (1 Cor 11, 26).

E eis uma bela reflexão de Bento XVI precisamente sobre a Eucaristia e a missão da comunidade dos fiéis:

Com efeito, não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento [da Eucaristia]: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar n’Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas também da sua missão: «Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária.» Havemos, também nós, de poder dizer com convicção aos nossos irmãos: «Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão connosco» (1 Jo 1, 2-3). Verdadeiramente não há nada de mais belo do que encontrar e comunicar Cristo a todos! Aliás, a própria instituição da Eucaristia antecipa aquilo que constitui o cerne da missão de Jesus: Ele é o enviado do Pai para a redenção do mundo (Jo 3, 16-17; Rm 8, 32). Na Última Ceia, Jesus entrega aos Seus discípulos o sacramento que actualiza o sacrifício que Ele, em obediência ao Pai, fez de Si mesmo pela salvação de todos nós. Não podemos abeirar-nos da mesa eucarística sem nos deixarmos arrastar pelo movimento da missão que, partindo do próprio Coração de Deus, visa atingir todos os homens; assim, a tensão missionária é parte constitutiva da forma eucarística da existência cristã (Sacramentum Caritatis 84).

Tendo em conta as palavras de São Paulo aos Coríntios na segunda leitura, vale a pena recordar o importante esclarecimento do Papa sobre a natureza da proclamação cristã que parte da participação no Mistério Eucarístico:

Sublinhar a ligação intrínseca entre Eucaristia e missão faz-nos descobrir também o conteúdo supremo do nosso anúncio. Quanto mais vivo for o amor pela Eucaristia no coração do povo cristão, tanto mais clara lhe será a incumbência da missão: levar Cristo; não meramente uma ideia ou uma ética n’Ele inspirada, mas o dom da Sua própria Pessoa. Quem não comunica a verdade do Amor ao irmão, ainda não deu bastante. A Eucaristia enquanto sacramento da nossa salvação chama-nos assim, inevitavelmente, à unicidade de Cristo e da salvação por Ele realizada a preço do Seu sangue. Por isso, do mistério eucarístico acreditado e celebrado nasce a exigência de educar constantemente a todos para o trabalho missionário, cujo centro é o anúncio de Jesus, único Salvador. Isto impedirá de confinar, em chave meramente sociológica, a obra decisiva de promoção humana que todo o processo de evangelização autêntico sempre implica (Sacramentum Caritatis 86).

Por fim, será também útil para nós uma outra reflexão do Pontífice no mesmo documento sobre a saudação de despedida no final da celebração eucarística:

Depois da bênção, o diácono ou o sacerdote despede o povo com as palavras «Ide em paz e o Senhor vos acompanhe», tradução aproximada da fórmula latina: Ite, missa est. Nesta saudação, podemos identificar a relação entre a Missa celebrada e a missão cristã no mundo. Na antiguidade, o termo «missa» significava simplesmente «despedida»; mas, no uso cristão, o mesmo foi ganhando um sentido cada vez mais profundo, tendo o termo «despedir» evoluído para «expedir em missão». Deste modo, a referida saudação exprime sinteticamente a natureza missionária da Igreja (Sacramentum Caritatis 51).

Rezemos, pois, em conclusão, para que, tal como o Papa Bento XVI o expressou, «Por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, o Espírito Santo acenda em nós o mesmo ardor que experimentaram os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) e renove na nossa vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal eficaz da própria beleza infinita do mistério santo de Deus» (Sacramentum Caritatis 97). Rezemos para que todos nós possamos acolher sempre com alegria e gratidão o dom do Pão “completo” que Jesus nos oferece em cada Celebração Eucarística, o Pão da Sua Palavra e do Seu Corpo e Sangue, a fim de o partilharmos com os outros na nossa vida, proclamando a morte e ressurreição do Senhor, «até que Ele venha».