Solenidade Da Santíssima Trindade (Ano A)

02 junio 2023

Ex 34, 4-6. 8-9;
Dn
3, 52-56;
2Cor
13, 11-13;
Jo
3, 16-18

Louvor e glória ao Senhor para sempre

COMENTÁRIO BÍBLICO-MISSIONÁRIO

A missão da Trindade

A Solenidade da Santíssima Trindade é celebrada no domingo a seguir ao Pentecostes, ou seja, após a celebração da efusão do Espírito Santo. Esta sequência é porque, como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica, «o envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade» (Catecismo da Igreja Católica, 244). Este é o «mistério central da fé e da vida cristã», observa o Catecismo, e acrescenta a este respeito: «É o mistério de Deus em Si mesmo. E, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé e a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na “hierarquia das verdades da fé”. “Toda a história da salvação não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela, reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do pecado” (Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium catechisticum generale, 47)» (Catecismo da Igreja Católica, 234).

A Santíssima Trindade é, portanto, o mistério dos mistérios e, como mistério de Deus, permanece sempre insondável apesar dos esforços humanos. A solenidade de hoje, por isso, com as orações e as leituras da Missa, oferece uma oportunidade não tanto para explicar tudo sobre o mistério da Trindade, mas para nos convidar a nós cristãos a contemplar ainda mais profundamente a vida do Deus uno e trino no qual está imersa a nossa vida.

1. Um mistério divinamente revelado, mas humanamente inacessível

Antes de mais, quando falamos da Trindade, devemos sublinhar com firmeza que é um mistério inacessível à mente humana, e só revelado no fim dos tempos pela missão de Jesus e do Espírito. Em resumo, acreditamos no Deus uno e trino, Pai, Filho e Espírito Santo, não graças a algum raciocínio humano que nos convence e nos leva a “compreender” esta complexa realidade, mas sim única e exclusivamente com base na revelação de Jesus Cristo, transmitida pelos apóstolos sob a acção do Espírito Santo.

Este é o ensinamento do Catecismo a este respeito:

A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito, um dos «mistérios ocultos em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados lá do alto» (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS, 3015). É verdade que Deus deixou traços do Seu Ser trinitário na obra da criação e na Sua revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do Seu Ser como Trindade Santíssima constitui um mistério inacessível à razão sozinha e, mesmo, à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo (Catecismo da Igreja Católica, 237). (o itálico é nosso).

Assim, para explicar o mistério da Trindade, qualquer raciocínio terreno, imagem ou metáfora (como os três estados da água, as três acções do raio de luz...) nunca será satisfatório, mesmo que nos possa ajudar a “compreender” alguma coisa. (De facto, com este tipo de explicação humana há por vezes o risco de aumentar as perguntas e as perplexidades, bem como de uma visão não inteiramente exacta da realidade divina!) O único fundamento seguro continua a ser o conjunto das palavras e dos actos de Jesus Cristo nos Evangelhos transmitidos na Igreja, sob a orientação do Espírito Santo. Acreditamos na Trindade porque acreditamos em Jesus Cristo que chama a Deus Pai, que Se define a Si mesmo como Filho, e que revela o Espírito Santo. É por isso que o Papa Francisco reiterou com autoridade e simplicidade num dos seus ensinamentos: «Trata-se de um mistério que nos foi revelado por Jesus Cristo: a Santíssima Trindade» (Papa Francisco, Angelus, Praça de São Pedro, Solenidade da Santíssima Trindade – Domingo, 30 de Maio de 2021).

A este respeito, é sempre útil recordar a (lendária) história de Santo Agostinho, Doutor da Igreja, que no seu tempo tentou compreender o mistério da Trindade (Deixou-nos um grande tratado de 15 volumes, De Trinitate, sobre a Trindade!). Enquanto ele estava ocupado a meditar sobre esse mistério, caminhando ao longo da praia, de repente viu uma criança a brincar na areia. A criança tirava água do mar com uma concha e despejava-a num buraco que tinha escavado na areia. O santo perguntou-lhe com curiosidade: “O que estás a fazer?” E a resposta foi: “Quero encher este buraco com toda a água do mar.” E Santo Agostinho disse, sorrindo: “Meu caro menino, não vês quão grande é o mar e quão pequeno é o buraco que fizeste? Como é que podes pensar em meter nele toda a água do mar?” Nesse momento, o menino tornou-se um anjo e disse a Agostinho: “E tu... como podes meter a infinita grandeza do mistério trinitário na tua cabecinha?”

2. A missão da Trindade para a humanidade

O mistério da Trindade deve ser vivido e experimentado cada vez mais, a fim de crescer constantemente na sua compreensão. Na realidade, o Deus uno e trino revela a Sua vida interior através do Seu agir, a sua missão, na história da humanidade, como expressa a oração da Colecta: «Deus Pai, que revelaste aos homens o Vosso admirável mistério, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito da santidade.» Daqui podemos ver claramente o processo da revelação trinitária precisamente no envio, isto é, na “missão” do Filho e do Espírito, e isto serve não só para dar a conhecer algo da vida divina, mas também e sobretudo para dar a plenitude de tal vida a todos aqueles que abrem os seus corações para a receber. Por outras palavras, Deus revela-Se na Sua missão para a salvação e felicidade do homem, desde a criação até ao fim do mundo.

Assim, na plenitude dos tempos, a missão de Deus Pai é realizada concretamente por Jesus Cristo, o próprio Filho de Deus, e esta missão do Pai e do Filho é depois levada a cabo no tempo pelo Espírito Santo. Deste modo é visível a cadeia da missão divina na história, missio Dei – missio Christi/Filii – missio Spiritus Sancti. Contudo, esta cadeia serve apenas para marcar os vários períodos históricos antes e depois da vida terrena de Cristo, Filho e Verbo Encarnado do Pai, porque a missão divina para a salvação da humanidade foi, é e será sempre realizada conjuntamente por todas as pessoas da Trindade: Pai, Filho, Espírito Santo, numa perfeita unidade divina. Por isso, para usar um jogo de palavras em italiano, o mistério da Trindade é o mistério do Deus uno e trino que “si fa in quattro” para levar o homem à salvação e felicidade divina! (Em italiano, a expressão “si fa in quattro” significa “fazer os possíveis”). Isto já podia ser visto, de forma misteriosa, nos relatos da criação do Antigo Testamento com a presença da Sabedoria divina ao lado de Deus Criador (Prov 8, 22-31), bem como com a referência à acção do Espírito de Deus (cf. Gn 1, 2; Sal 104, 30). O próprio Jesus afirmou que o Pai age sempre e Ele também (cf. Jo 5, 17), e o ícone bíblico emblemático da “cooperação trinitária” na missão divina em favor da humanidade continua a ser a cena do baptismo de Jesus no rio Jordão.

A missão constante do Deus uno e trino para a humanidade é cumprida por e no amor, como foi revelado com e em Jesus, Filho de Deus, que declara: «De tal modo amou Deus o mundo que deu o Seu Filho unigénito, para que todo aquele que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16; evangelho de hoje). Não pode ser de outra forma, porque «Deus é amor» (1 Jo 4, 8.16), e isto significa, como nos explicou recentemente o Papa Francisco, «O Pai é amor, o Filho é amor, o Espírito Santo é amor. E na medida em que é amor, Deus, não obstante seja um e único, não é solidão, mas comunhão entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pois o amor é essencialmente dom de si, e na sua realidade original e infinita é o Pai que se entrega, gerando o Filho que, por sua vez, se entrega ao Pai, e o Seu amor recíproco é o Espírito Santo, vínculo da Sua unidade» (Papa Francisco, Angelus, Praça de São Pedro, Solenidade da Santíssima Trindade – Domingo, 30 de Maio de 2021).

3. A nossa missão na Trindade

Como nos revela a Palavra de Deus na Escritura, somos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27), daquele Deus que depois Se revelou ser uno e trino, “trindade perfeita e unidade simples” (uma expressão de São Francisco de Assis) de comunhão e amor divino. «Pois n’Ele vivemos, nos movemos e existimos», como São Paulo recordou no seu discurso missionário em Atenas (Act 17, 28). Além disso, como cristãos, todos nós já estamos imersos na Trindade pelo baptismo, e assim permanecemos imersos na vida divina, essa vida eterna do Deus uno e trino. Desta forma, somos chamados a viver plenamente a vida que nos foi dada, experimentando a Sua presença em nós e conhecendo assim cada vez mais o amor abundante por nós de todas as três Pessoas divinas: Pai, Filho e Espírito Santo. Como Jesus sublinha na Sua oração ao Pai antes da paixão: «E a vida eterna é esta: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo» (Jo 17, 3). Tal será a nossa missão na Trindade, a missão que vivemos em primeiro lugar para nós próprios, a fim de podermos testemunhar e partilhar com os outros a graça da vida divina em comunhão com o Deus uno e trino que tanto nos amou e continua a “fazer os possíveis”, a comprometer-se totalmente, a fim de salvar nem que seja uma só pessoa.

 

Citações úteis:

Papa Francisco, Angelus, Praça de São Pedro, Solenidade da Santíssima Trindade – Domingo, 30 de Maio de 2021

E este Deus é o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Três Pessoas, mas Deus é um só! O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito é Deus. Mas não são três deuses: é um Deus em três Pessoas. […] São pessoas. Há o Pai, a quem rezo com o Pai-Nosso; há o Filho, que me concedeu a redenção, a justificação; há o Espírito Santo, que habita em nós e na Igreja. E isto fala ao nosso coração, porque o encontramos encerrado naquela expressão de São João, que resume toda a Revelação: «Deus é amor» (1 Jo 4, 8.16). O Pai é amor, o Filho é amor, o Espírito Santo é amor. E na medida em que é amor, Deus, não obstante seja um e único, não é solidão, mas comunhão entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pois o amor é essencialmente dom de si, e na sua realidade original e infinita é Pai que se entrega, gerando o Filho que, por sua vez, se entrega ao Pai, e o seu amor recíproco é o Espírito Santo, vínculo da sua unidade.

Catecismo da Igreja Católica

244. A origem eterna do Espírito revela-se na Sua missão temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto pelo Pai, em nome do Filho, como pessoalmente pelo Filho, depois do Seu regresso ao Pai. O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.

253. A Trindade é una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade consubstancial». As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única: cada uma delas é Deus por inteiro: «O Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza». «Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza divina.»

255. As pessoas divinas são relativas umas às outras. Uma vez que não divide a unidade divina, a distinção real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações que as referenciam umas às outras: «Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos destas três pessoas, considerando as relações respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou substância.» Com efeito, «n’Eles tudo é um, onde não há a oposição da relação». «Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai e todo no Filho».