Meditação Missionária para os 31º Domingo do Tempo Comum (Ano C)
São Marciano de Siracusa, Bispo e mártir; Beata Benvinda Boiani, Virgem
Sab 11,22-12,2;
Sal 144;
2 Tes 1,11-2,2;
Lc 19,1-10
Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor meu Deus e meu Rei.
COMENTÁRIO BÍBLICO-MISSIONÁRIO (Meditação de Pierre Diarra[1])
Quem devemos ouvir e o que devemos ouvir? Os que recriminam e parecem vigiar os actos dos outros? Aqueles que tentam converter-se, como Zaqueu, sejam quais forem as suas situações? Jesus dirige-se a todos quando convida à conversão?
O que dizem os que criticam, e que são muitos de acordo com o evangelista? Trata-se de "todos eles”, ou pelo menos da maioria deles: “Foi hospedar-Se em casa de um pecador.” O que devemos entender ou subentender? As “pessoas bem-comportadas” ou as “pessoas de bem” não vão para casa de quem quer que seja. Se uma pessoa parece bem-comportada não deve associar-se com pessoas de comportamento duvidoso. Não devem, pensa-se, deixar-se influenciar pelas más companhias. Mas devemos separar os bons de um lado e os maus do outro? Como viver a missão cristã se as pessoas que levam o Evangelho se distanciam daquelas que precisam do perdão do Senhor? Além disso, as pessoas que são bem vistas por aqueles que as rodeiam, que fazem um esforço para agir bem, para amar Deus e os seus vizinhos, podem cometer erros, carecer de amor e, consequentemente, precisam do perdão do Senhor.
Ouçamos o que Zaqueu disse ao Senhor: “Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais.” Zaqueu, cujo nome significa “o justo”, é um belo exemplo de arrependimento libertador e jubiloso. Ao confessar as suas falhas e ao mostrar um firme desejo de reparação, ele confessa o amor de Deus. Ele quer reconhecer diante do Senhor e das pessoas que estão com ele que é pecador e que precisa de salvação. Ele parece afirmar que o perdão nos é dado pelo Senhor Jesus, perante o qual reconhece ter feito mal às pessoas. Ele quer devolver quatro vezes mais, como se quisesse partilhar os lucros dos seus ganhos adquiridos injustamente. Poder-se-ia dizer: com tudo o que roubou, pode fazê-lo; mas não é assim tão simples; é preciso ser corajoso para ser justo e ir para além disso. Ao fazê-lo, Zaqueu quer mostrar não só que devemos optar pela justiça, mas tentar ir mais longe, ou seja, percorrer os caminhos de um amor que não tem limites. Estamos orientados para o amor de Deus, que é o mais forte e que nos impele a ir sempre mais longe nos actos de amor que realizamos.
Confessar o amor de Deus é proclamar em voz alta, com uma certa exultação, que Deus me alcançou, pobre pecador que eu sou. O nome do meu Deus não é Jesus, que significa “Deus salva”? Este Deus não veio para os justos mas para os pecadores. Confessar o amor de um Deus que trabalha na minha vida é confessar o futuro que Deus me abre, juntamente com os meus irmãos e irmãs. É um Deus cuja misericórdia chega até mim, mas também a todos os seres humanos, a todos aqueles que reconhecem as suas faltas e pedem sinceramente perdão. Confesso que sou um pecador, mas acima de tudo confesso que Deus é Amor, Misericórdia; reconheço que o perdão me alcançou e que Deus está preocupado com a minha salvação, com o meu futuro. Não digo apenas “fiz isto, fiz aquilo e é mau...”, especialmente quando me encontro perante o sacerdote para o sacramento da reconciliação; digo também: Deus ama-me, Ele chama-me a viver isto, isso e aquilo e eis onde estou e como quero avançar. Estou consciente do amor de Deus, consciente de um Deus que perdoa. Encontro um Deus que me ama; ainda não cheguei ao caminho para a santidade, verso este Deus três vezes santo. Mas posso avançar; não disse a minha última palavra e Deus também não. Eu sei que o Seu amor e o Seu perdão estão comigo na minha caminhada como homem ou mulher. Jesus está connosco todos os dias até ao fim dos tempos (Mt 28,20), mesmo que Ele possa ser rejeitado ou acolhido, estar em agonia ou ser crucificado de novo (Heb 6,6), sem nunca deixar de ressuscitar e de estar connosco de várias maneiras (ver Michel Fédou, Jésus Christ au fil des siècles, Paris, Cerf, 2019, p. 491).
Reconhecer o meu pecado e pedir perdão a Deus é fazer actos que são expressão de um assumir de responsabilidade pela minha história em relação à salvação em Jesus Cristo. Pedir perdão não é um acerto de contas. Trata-se de dizer com toda a confiança: “Ó Senhor, Tu amas-me; perdoa-me pelo que fiz e abre-me um futuro que me permita caminhar contigo em esperança e amor.” A confissão do meu pecado é também uma confissão da minha fé que pode tomar a forma de um credo, uma canção, uma acção de graças... A confissão do meu pecado ajuda-me a sentir-me amado, perdoado, encorajado a prosseguir os meus esforços para amar melhor, acreditar mais e a esperar com confiança. Porque Deus nos ama de modo único, cada um de nós deve sentir-se à vontade consigo próprio, com as suas limitações, as suas falhas e mesmo os seus fracassos. Não devemos desanimar na busca das verdadeiras sedes de verdade e amor. O perdão enraíza-nos nessa busca e encoraja-nos, por sua vez, a perdoar: “perdoai-nos as nossas ofensas e não nos deixeis cair em tentação, mas livra-nos do mal.”
Escutemos o que Jesus diz sobre Zaqueu: “Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.” Oremos, seguindo o apóstolo Paulo, para que o nosso Deus nos ache dignos do chamamento que fez a cada um de nós. Rezemos para que pelo Seu poder todos possam realizar todo o bem que desejam, a fim de que a fé se torne activa.
Com o salmista, tomemos consciência da bondade e da misericórdia do nosso Deus. Pois “o Senhor ampara todos os que vacilam, e levanta todos os oprimidos.” Com os nossos olhos postos n’Ele, somos todos convidados a ter esperança. Ele dá-nos a vida, o mundo, a inteligência, o alimento em todos os momentos. Ele sacia com bondade tudo o que vive. “Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as Suas obras. Perto está o Senhor de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade. Ele cumprirá o desejo dos que O temem; ouvirá o seu clamor, e os salvará” (Sal 145). “Senhor, que o Teu amor esteja sobre nós, como a nossa esperança está em Ti” (Sal 33).
Ousemos louvar o nome do Senhor em cada circunstância e para sempre. Só Ele merece o louvor, porque a Sua grandeza e o Seu amor não têm limites. Ousemos elogiar as Suas obras, a Sua misericórdia e proclamar os Seus feitos. Que isto nos mantenha no caminho certo, o caminho da santidade, mesmo que ele exija muito esforço. Cantemos a história das Suas maravilhas, do Seu perdão, e que todo o nosso ser saiba dar-Lhe graças.
Citações úteis:
Papa Francisco, Angelus, Praça São Pedro, Domingo, 3 de novembro de 2019
O Evangelho de hoje (cf. Lc 19, 1-10) coloca-nos na senda de Jesus que, a caminho de Jerusalém, parou em Jericó. Havia uma grande multidão a recebê-lo, incluindo um homem chamado Zaqueu, chefe dos “publicanos”, isto é, daqueles judeus que cobravam impostos em nome do Império Romano. […]. Quando Jesus se aproxima, olha para cima e vê-o (cf. v. 5).
E isto é importante: o primeiro olhar não é de Zaqueu, mas de Jesus que, entre os numerosos rostos que o rodeavam – a multidão – procura precisamente o dele. O olhar misericordioso do Senhor alcança-nos antes que nós mesmos percebamos que precisamos de ser salvos. E com esse olhar do Mestre divino começa o milagre da conversão do pecador. Com efeito, Jesus chama-o e chama-o pelo nome […]. Não o censura, não lhe faz um “sermão”; diz-lhe que tem de ficar com ele: “tem”, porque é a vontade do Pai. […]
O acolhimento e a atenção de Jesus para com aquele homem levaram-no a uma clara mudança de mentalidade: num instante ele percebeu como é mesquinha uma vida tomada pelo dinheiro, à custa de roubar aos outros e receber o seu desprezo. Ter o Senhor ali, na sua casa, faz com que ele veja tudo com outros olhos, até com um pouco da ternura com que Jesus olhou para ele. E a sua maneira de ver e usar o dinheiro também muda: o gesto de se apoderar é substituído pelo de oferecer. […] Zaqueu descobre de Jesus que é possível amar gratuitamente: era mesquinho, agora torna-se generoso; gostava de acumular, agora alegra-se em distribuir. Ao encontrar o Amor, descobrindo que é amado apesar dos seus pecados, torna-se capaz de amar os outros, fazendo do dinheiro um sinal de solidariedade e de comunhão.
Papa Francisco, Angelus, Praça São Pedro, Domingo, 30 de outubro de 2016
Jesus, guiado pela misericórdia, procurava precisamente por ele. E ao entrar na casa de Zaqueu disse-lhe: «Hoje houve salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão. Pois o filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido» (vv. 9-10). O olhar de Jesus vai para além dos pecados e dos preconceitos. Isto é importante! Devemos aprendê-lo. O olhar de Jesus […] vê a pessoa com os olhos de Deus, que não se detém no mal passado, mas entrevê o bem futuro; Jesus não se resigna aos fechamentos, mas sempre abre, sempre abre novos espaços de vida; não se detém nas aparências, mas olha para o coração. E neste caso olhou para o coração ferido deste homem: ferido pelo pecado da cupidez, pelas numerosas coisas más que este Zaqueu tinha cometido. […]
Por vezes, procuramos corrigir ou converter um pecador repreendendo-o, criticando os seus erros e o seu comportamento injusto. A atitude de Jesus com Zaqueu indica-nos outro caminho: o de mostrar a quem erra o seu valor, aquele valor que Deus continua a ver não obstante tudo, apesar de todas as nossas faltas. Isto pode provocar uma surpresa positiva, que enternece o coração e impele a pessoa a tirar o bem que tem dentro de si. É dando confiança às pessoas que as fazemos crescer e mudar. É assim que Deus se comporta com todos nós: não está bloqueado pelo nosso pecado, mas supera-o com o amor e faz-nos sentir a nostalgia do bem. Todos sentimos esta nostalgia do bem depois de um erro. E assim faz o nosso Deus Pai, assim faz Jesus. Não existe uma pessoa que não tenha algo de bom. E Deus olha para isto, para o tirar do mal.
Bento XVI, Angelus, Praça São Pedro, Domingo, 31 de outubro de 2010
Queridos irmãos e irmãs!
O Evangelista São Lucas reserva uma atenção especial ao tema da misericórdia de Jesus. Com efeito, na sua narração encontramos alguns episódios que relevam o amor misericordioso de Deus e de Cristo, o qual afirma que veio chamar não os justos, mas os pecadores (cf. Lc 5, 32). Entre as narrações típicas de Lucas está a da conversão de Zaqueu, que se lê na liturgia deste domingo. […]
Deus não exclui ninguém, nem pobres nem ricos. Deus não se deixa condicionar pelos nossos preconceitos humanos, mas vê em cada um de nós uma alma para salvar e é atraído especialmente por aquelas que são julgadas perdidas e se consideram elas mesmas tais. Jesus Cristo, encarnação de Deus, demonstrou esta imensa misericórdia, que nada tira à gravidade do pecado mas visa sempre salvar o pecador, a oferecer-lhe a possibilidade da remissão, de recomeçar do início, de se converter. Noutro trecho do Evangelho, Jesus afirma que é muito difícil para um rico entrar no Reino dos céus (cf. Mt 19, 23). No caso de Zaqueu, vemos que quanto parece impossível se realiza: «Ele — comenta São Jerónimo — ofereceu a sua riqueza e imediatamente a substituiu com a riqueza do reino dos céus» (Homilia sobre o salmo 83, 3). E São Máximo de Turim acrescenta: «As riquezas, para os tolos são um alimento para a desonestidade, para os sábios, ao contrário, são uma ajuda para a virtude; a estes oferece-se uma oportunidade para a salvação, àqueles obtém um empecilho que os perde» (Sermões, 95).
Queridos amigos, Zaqueu acolheu Jesus e converteu-se porque Jesus o acolheu antes! Não o condenou, mas foi ao encontro do seu desejo de salvação. Peçamos à Virgem Maria, modelo perfeito de comunhão com Jesus, para que também nós possamos experimentar a alegria de ser visitados pelo Filho de Deus, de ser renovados pelo seu amor, e transmitir aos outros a sua misericórdia.
[1] Oferecemos para este domingo a meditação do Professor Pierre Diarra de PUM França, aproveitando a oportunidade para lhe agradecer novamente por este texto. Escreveu, a nosso pedido, os comentários litúrgicos para todos os dias do mês missionário de Outubro de 2022, enviados por e-mail aos directores nacionais de OMP no início do ano para a sua utilização em animação missionária.