4° Domingo da Páscoa (Ano B)

26 abril 2024

Act 4, 8-12;
Sal 117;
1 Jo 3, 1-2;
Jo 10, 11-18

COMENTÁRIO BÍBLICO-MISSIONÁRIO

Cristo, Bom Pastor em missão constante

O quarto domingo da Páscoa é também chamado “do Bom Pastor”, e as leituras e orações da liturgia centram-se precisamente nesta bela imagem de Jesus. Por esta razão, desde 1964, por decisão do Papa São Paulo VI, este domingo é o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, por aqueles que receberam a chamada para seguir Jesus, Sumo Sacerdote e Bom Pastor. O Papa Francisco, na mensagem deste ano de 2024, recorda a importância da oração por todas as vocações cristãs na vida e escreve: «Este Dia é dedicado de modo particular à oração para implorar do Pai o dom de santas vocações para a edificação do seu Reino: «Rogai ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2)».

Com isto em mente, hoje em muitas paróquias e dioceses de todo o mundo é feito um peditório para o fundo universal de solidariedade da Obra Pontifícia de São Pedro Apóstolo (OPSPA) para a formação de sacerdotes, religiosos e religiosas, através do apoio aos seminários e noviciados nas missões, com os seus candidatos e formadores. Assim, cada cristão participa activamente, através da oração e da contribuição concreta, na missão de evangelização da Igreja, na área específica do cuidado das vocações e das actividades de formação de novos e bons padres-pastores com o «cheiro das ovelhas» (Papa Francisco, Santa Missa Crismal, Homilia, Basílica Vaticana, Quinta-feira Santa, 28 de Março de 2013) nas pegadas de Cristo Bom Pastor.

Neste contexto, as leituras da Missa de hoje ajudam-nos a reiterar e aprofundar pelo menos três aspectos importantes da missão de Cristo Pastor, modelo e exemplo de todos os pastores do povo, de acordo com o desejo de Deus Pai.

1. A relação especial entre Jesus e as Suas ovelhas

A passagem do Evangelho que hoje ouvimos é muito concisa, mas cheia de significado. É o centro do discurso de Jesus no Quarto Evangelho, que contém a Sua auto-declaração «Eu sou o Bom Pastor» (Jo 10, 11.14). Assim, desde o início, mesmo antes de se declarar o Bom Pastor, Ele reitera uma característica fundamental da relação entre Ele e as Suas ovelhas: «As minhas ovelhas escutam a Minha voz. Eu conheço as Minhas ovelhas e elas seguem-Me» (Jo 10, 27). As palavras aqui proferidas ecoarão no que Jesus disse mais tarde na Sua auto-declaração de ser Bom Pastor: «Eu sou o bom pastor, diz o Senhor: conheço as Minhas ovelhas e elas conhecem-Me» (Jo 10, 14).

Deve salientar-se de imediato que o verbo conhecer na linguagem bíblico-hebraica denota um conhecimento que não é tanto intelectual (um saber) mas existencial, tal como na relação entre marido e mulher. Trata-se de um conhecimento mútuo, íntimo e integral, um conhecer que implica amar e pertencer um ao outro. Precisamente por este motivo, quando Jesus declarou que era o bom pastor, explicou logo de seguida que «o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas» (Jo 10, 11b.15b). Ele fá-lo porque conhece as Suas ovelhas, ou seja, ama-as profundamente, mais do que a Sua própria vida.

Além disso, o conhecimento entre Jesus e as Suas ovelhas é posto em paralelismo com o conhecimento entre Jesus e Deus Pai. Ele declara, de facto: «Conheço as Minhas ovelhas e as Minhas ovelhas conhecem-Me, tal como o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai» (Jo 10, 14b-15). Deste modo, a relação entre Jesus, o Bom Pastor, e os Seus discípulos é colocada a par de uma realidade mística de conhecimento íntimo entre as Pessoas divinas. Por um lado, aqui vislumbramos a profundidade do conhecimento-amor que Jesus tem pelas Suas ovelhas, como o que Jesus tem pelo Pai! Ele afirma efectivamente noutro lugar: «Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no Meu amor» (Jo 15, 9). Por outro lado, quando Jesus afirma que as Suas ovelhas O conhecem, podemos perguntar-nos se o Seu conhecimento de Jesus é comparável ao que existe entre o Pai e Jesus. Parece haver um convite implícito às “ovelhas” de Jesus para se perguntarem se e quanto conhecem o Seu Pastor e reconhecem a Sua voz no meio do barulho que as circunda. Dado que nunca se podem esgotar todas as riquezas do mistério de Cristo, permanece sempre actual para as ovelhas de todos os tempos, o compromisso de crescer cada vez mais no conhecimento do Pastor que as conhece e ama até ao ponto de dar a Sua vida por elas. (A censura de Jesus a Filipe, um dos Seus discípulos próximos, é significativa a este respeito: «Há tanto tempo que estou convosco, e não Me conheces, Filipe?» (Jo 14, 9). Estas palavras são também válidas para cada discípulo que O segue).

2. «Eu dou a vida pelas minhas ovelhas»

Reiterando a relação particular com as Suas ovelhas, Jesus afirma de seguida a Sua missão especial, que provém desse conhecimento e amor: «Eu dou a vida pelas minhas ovelhas». Esta missão/cuidado especial de Jesus é afirmada já na parte inicial («Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» [Jo 10, 10]) e novamente no final do discurso: «Eu dou-lhes a vida eterna: jamais hão-de perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão» (Jo 10, 28). Assim, o dom da vida em abundância é identificado com a vida eterna. Esta não designa uma realidade futura apenas após a morte. Indica a vida em comunhão com Jesus e com Deus, que já começa no presente e continuará na eternidade. Tanto assim que Jesus sublinha: «Amén, amén vos digo: Quem acredita tem a vida eterna» (Jo 6, 47). Mais concretamente diz: «Amén, amén vos digo: quem ouve a Minha palavra e acredita naquele que Me enviou tem a vida eterna e não vai a julgamento; pelo contrário, passou da morte para a vida» (Jo 5, 24). «Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem vida eterna» (Jo 6, 54).

Destas citações, especialmente da última, emerge um outro aspecto fundamental da vida eterna que Jesus dá às Suas ovelhas. Trata-se da Sua própria vida que Ele oferece pelos Seus, como explicitado na declaração do bom pastor mencionada anteriormente. Jesus também Se tornou cordeiro sacrificial para doar a Sua própria vida às Suas ovelhas e para guiá-las agora «às fontes de água da vida» (Ap 7, 17).

Ele é, por isso, o pastor que não só conhece o cheiro das ovelhas, como também Se tornou uma delas, a fim de partilhar com elas tudo o que diz respeito à vida (incluindo a morte!). Isto é o que se diz da figura de Cristo Sumo Sacerdote: «Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de Se compadecer das nossas fraquezas; pelo contrário, Ele foi posto à prova em tudo, como nós, excepto no pecado» (Heb 4, 15).

Este forte laço entre Jesus, o Bom Pastor, e as Suas ovelhas será a razão pela qual “ninguém as arrebatará” (Jo 10, 28) da Sua mão e da mão do Pai. O Apóstolo São Paulo expressa o mesmo conceito com palavras inspiradas comoventes a partir de uma pergunta retórica: «Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Mas, em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor» (Rm 8, 35.37-39).

3. O Bom Pastor sábio e missionário

Em conclusão, a declaração de Jesus como o “Bom Pastor” não se limita a sublinhar a Sua bondade, mas pretende transmitir a ideia do pastor ideal, autêntico, perfeito, isto é, segundo a vontade de Deus para Israel no fim dos tempos. Esta perfeição consiste, portanto, entre outras coisas e sobretudo talvez, na Sua qualidade de sábio, em contraste com os pastores insensatos e maus, como atestam numerosas passagens do Antigo Testamento. Concretamente, o texto do Evangelho de João sublinha as duas características fundamentais do pastor perfeito: dar ou arriscar a vida pelas ovelhas e o conhecimento íntimo entre o pastor e as ovelhas. Enquanto o primeiro aspecto é mais cristológico e alude ao facto concreto da cruz, o segundo é altamente sapiencial, porque até os próprios seguidores da Sabedoria ouvem a Sua voz, ignorada pelos insensatos e pelos ímpios. Assim, em Jesus não vemos apenas a imagem do Pastor Sábio, mas do Pastor-Sabedoria, ou seja, Ele aparece como a Sabedoria de Deus tornada Pastor.

Além disso, Cristo Bom Pastor, perfeito segundo o desígnio divino, é também o missionário incansável de Deus, porque realiza sempre a vontade de Deus que o enviou. E a vontade de Deus é que toda a humanidade tenha vida através de Cristo, seu Filho enviado ao mundo. Portanto, «Jesus estava prestes a morrer pela nação [de Israel]; E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus dispersos» (Jo 11, 51-52). Tendo isso em mente, entendemos melhor a importante declaração de Cristo no discurso ouvido hoje: «Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor» (Jo 10, 16). E aqui está o comentário do Papa Francisco sobre o assunto: «Deus, grande no amor e rico de misericórdia, está sempre em saída ao encontro de cada ser humano para o chamar à felicidade do seu Reino, apesar da indiferença ou da recusa. Assim Jesus Cristo, bom pastor e enviado do Pai, andava à procura das ovelhas perdidas do povo de Israel e desejava ir mais além para alcançar também as ovelhas mais distantes (cf. Jo 10, 16)». (Mensagem para o Dia Mundial das Missões 2024).

Devemos então perguntar-nos hoje: nós, que somos as Suas ovelhas, procuramos ainda escutar e seguir o nosso Bom Pastor-Sabedoria? Procuramos incansavelmente implementar com Cristo, Bom Pastor, o plano de salvação de Deus para toda a humanidade, a começar por aqueles com quem convivemos? E para esta missão universal de Deus e de Cristo, oferecemos a nossa pequena contribuição concreta com oração, sacrifícios e até doação material de acordo com as nossas possibilidades?

 

Citações úteis:

Papa Francisco, Regina Coeli, Praça São Pedro, Domingo, 25 de abril de 2021

Neste IV domingo de Páscoa, chamado Domingo do Bom Pastor, o Evangelho (Jo 10, 11-18) apresenta Jesus como o verdadeiro pastor, que defende, conhece e ama as suas ovelhas.

A Ele, Bom Pastor, contrapõe-se o “mercenário”, que não se preocupa com as ovelhas, porque elas não lhe pertencem. Faz este trabalho apenas pelo salário, e não se preocupa em defendê-las: quando o lobo vem, foge e abandona-as (cf. vv. 12-13). Jesus, ao contrário, verdadeiro pastor, defende-nos sempre, e salva-nos em muitas situações difíceis, situações perigosas, através da luz da sua palavra e da força da sua presença, que sempre experimentamos, se quisermos ouvir, todos os dias. […]

Como é bom e consolador saber que Jesus nos conhece um por um, que não somos anónimos para Ele, que o nosso nome é conhecido por Ele! Para Ele, não somos “massa”, “multidão”, não. Somos pessoas únicas, cada uma com a própria história, [e Ele] conhece-nos a cada um com a nossa história, cada um com o próprio valor, tanto como criatura como redimidos por Cristo. […]

Nele a imagem do pastor do povo de Deus, que os profetas delinearam, realiza-se plenamente: Jesus preocupa-se com as suas ovelhas, reúne-as, enfaixa a que está ferida ferida, cura a doente. Assim podemos ler no Livro do Profeta Ezequiel (cf. 34, 11-16).

Portanto, Jesus Bom Pastor, defende, conhece e acima de tudo ama as suas ovelhas. E por esta razão dá a vida por elas (cf. Jo 10, 15). O amor pelas ovelhas, ou seja, por cada um de nós, leva-o a morrer na Cruz, porque a vontade do Pai é que ninguém se perca. O amor de Cristo não é seletivo; abraça todos. Ele próprio nos lembra isto no Evangelho de hoje, quando diz: «Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco. Preciso conduzi-las também, e ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor» (Jo 10, 16). Estas palavras atestam o seu anseio universal: Ele é pastor de todos. Jesus quer que todos possam receber o amor do Pai e encontrar Deus.

E a Igreja é chamada a levar a cabo esta missão de Cristo. Para além daqueles que frequentam as nossas comunidades, há muitas pessoas, a maioria, que o fazem apenas em casos particulares ou nunca. Mas isto não significa que não são filhos de Deus: o Pai confia todos a Jesus Bom Pastor, que deu a vida por todos.

João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais, Pastores Dabo Vobis:

18. Como sublinha o Concílio, “o dom espiritual que os presbíteros receberam na ordenação não os prepara para uma missão limitada e restrita, mas, pelo contrário, para uma imensa e universal missão de salvação até aos últimos confins da terra, dado que todo e qualquer ministério sacerdotal participa da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos Apóstolos.” Pela própria natureza do seu ministério, eles devem, portanto, ser penetrados e animados de um profundo espírito missionário, “daquele espírito verdadeiramente católico que os habitua a olhar para além dos confins da própria diocese, nação ou rito, e ajudar as necessidades de toda a Igreja, dispostos a pregar o Evangelho em toda a parte.”

23. (…) O dom de si mesmo, raiz e síntese da caridade pastoral, tem como destinatária a Igreja. Assim foi com Cristo que “amou a Sua Igreja e Se entregou por ela” (Ef 5, 25); assim deve ser com o presbítero. Pela caridade pastoral, que assinala o exercício do ministério sacerdotal como “amoris officium”, “o sacerdote que acolhe a vocação ao ministério, está em condições de fazer disto uma escolha de amor, pela qual a Igreja e as almas se tornam o seu principal interesse e, com tal espiritualidade concreta, se torna capaz de amar a Igreja universal e a porção dela que lhe é confiada, com todo o entusiasmo de um esposo na sua relação com a esposa.” O dom de si mesmo não tem fronteiras, porque é marcado pelo mesmo dinamismo apostólico e missionário de Cristo Bom Pastor, que disse: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil; também as devo conduzir; escutarão a Minha voz e então haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10, 16).

32. A pertença e a dedicação à Igreja particular não confinam a esta, a actividade e a vida do sacerdote: não podem, de facto, ser confinadas, pela própria natureza quer da Igreja particular, quer do ministério sacerdotal. A este respeito, diz o Concílio: “O dom espiritual que os presbíteros receberam na ordenação não os prepara para uma missão limitada e restrita, mas sim para a imensa e universal missão da salvação ‘até aos confins da terra’ (Act 1, 8); de facto, todo o ministério sacerdotal participa da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos apóstolos.”

Daqui se conclui que a vida espiritual dos padres deve estar profundamente assinalada pelo anseio e pelo dinamismo missionário. Compete-lhes, no exercício do ministério e no testemunho de vida, plasmar a comunidade a eles confiada como comunidade autenticamente missionária. Como escrevi na Encíclica Redemptoris Missio, “todos os sacerdotes devem ter um coração e uma mentalidade missionária, devem estar abertos às necessidades da Igreja e do mundo, atentos aos mais afastados e, sobretudo, aos grupos não cristãos do próprio ambiente. Na oração e, em particular, no sacrifício eucarístico, sintam a solicitude de toda a Igreja por toda a humanidade.”

Se este espírito missionário animar generosamente a vida dos sacerdotes, aparecerá facilitada a resposta àquela exigência cada vez mais grave hoje na Igreja, que nasce de uma desigual distribuição do clero. Neste sentido, já o Concílio foi suficientemente preciso e incisivo: “Tenham presente os presbíteros que devem tomar a peito a solicitude por todas as Igrejas. Para tal, os presbíteros daquelas dioceses que possuem maior abundância de vocações mostrem-se de boa vontade preparados para, com o prévio consentimento ou convite do próprio Ordinário, exercer o seu ministério nas regiões, missões ou obras que sofram escassez de clero.”

João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o Bispo, servidor do evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo, Pastores Gregis:

22. (…) Na sua fonte e modelo trinitários, a comunhão exprime-se sempre na missão. Esta é o fruto e a consequência lógica da comunhão. Fomenta-se o dinamismo da comunhão sempre que alguém se abre aos horizontes e às exigências da missão, dando como garantia permanente o testemunho da unidade, para que o mundo creia, e dilatando os espaços do amor para que todos cheguem à comunhão trinitária, donde procedem e para onde se encaminham. Quanto mais intensa for a comunhão, mais facilitada ficará a missão, sobretudo quando é vivida na pobreza abraçada por amor, que é a capacidade de ir ao encontro de cada pessoa, grupo e cultura unicamente com a força da Cruz, spes unica e supremo testemunho do amor de Deus, que se manifesta também como amor de fraternidade universal.

66. Na Sagrada Escritura, a Igreja é comparada a um rebanho, «do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor, e cujas ovelhas, ainda que governadas por pastores humanos são, contudo, guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, Bom Pastor e príncipe dos pastores.» Porventura, não foi o próprio Jesus que qualificou os seus discípulos como pusillus grex (cf. Lc 12, 32) e que os exortou a não temerem, mas a cultivarem a esperança?

Esta exortação, repetiu-a Jesus várias vezes aos Seus discípulos: «No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo» (Jo 16, 33). E quando estava para voltar ao Pai, depois de ter lavado os pés aos Apóstolos, disse-lhes: «Não se turve o vosso coração» e acrescentou: «Eu sou o Caminho [...]. Ninguém vem ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 1.6). Por este caminho que é Cristo, encaminhou os seus passos o pequenino rebanho – a Igreja –, sendo guiado por Ele, o Bom Pastor, que, «depois de fazer sair todas as ovelhas, vai diante delas e as ovelhas seguem-n’O, porque conhecem a Sua voz» (Jo 10, 4).

À imagem de Jesus Cristo e seguindo as Suas pegadas, também o Bispo sai para O anunciar ao mundo como Salvador do homem, de cada homem. Missionário do Evangelho, actua em nome da Igreja, perita em humanidade e solidária com os homens do nosso tempo. Por isso, animado pela radicalidade evangélica, ele tem o dever de desmascarar as falsas antropologias, resgatar os valores espezinhados pelos processos ideológicos e discernir a verdade. Sabe que pode repetir com o Apóstolo: «Se nos afadigamos e recebemos ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus vivo, Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis» (1 Tim 4, 10).

Assim a acção do Bispo há-de caracterizar-se por aquela parresia que é fruto da intervenção do Espírito (cf. Act 4, 31); deste modo, saindo de si próprio para anunciar Jesus Cristo, ele assume com confiança e coragem a sua missão, factus pontifex, constituído verdadeiramente «ponte» ao encontro de cada homem. Com paixão de pastor, sai à procura das ovelhas, imitando Jesus que diz: «Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco e também tenho de as conduzir».

Papa Francisco, Audiência Geral, Sala Paulo VI, Quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Catequeses. A paixão pela evangelização: o zelo apostólico do crente - 2. Jesus modelo do anúncio

[…] Pois bem, se quisermos representar com uma imagem o seu estilo de vida, não teremos dificuldade em encontrá-la: é o próprio Jesus que no-la oferece, como acabámos de ouvir, falando de si como do bom Pastor, aquele que - diz - «dá a sua vida pelas ovelhas» (Jo 10, 11), este é Jesus. Com efeito, ser pastor não era apenas um trabalho, que exigia tempo e muito esforço; era um verdadeiro estilo de vida: vinte e quatro horas por dia, vivendo com o rebanho, acompanhando-o às pastagens, dormindo entre as ovelhas, cuidando das mais fracas. Em síntese, Jesus não faz algo por nós, mas dá tudo, dá a vida por nós. O seu é um coração pastoral (cf. Ez 34, 15). É pastor com todos nós.

Com efeito, para resumir numa palavra a ação da Igreja, usa-se muitas vezes precisamente o termo “pastoral”. E para avaliar a nossa pastoral, devemos confrontar-nos com o modelo, confrontar-nos com Jesus, Jesus bom Pastor. Em primeiro lugar, podemos perguntar-nos: imitamo-lo bebendo das fontes da oração, para que o nosso coração esteja em sintonia com o seu? A intimidade com Ele é, como sugeria o bonito volume do abade Chautard, «a alma de todo o apostolado». O próprio Jesus disse claramente aos seus discípulos: «Sem mim nada podeis fazer!» (Jo 15, 5). Quem está com Jesus, descobre que o seu coração pastoral bate sempre por quantos estão perdidos, desviados, distantes. E o nosso? Quantas vezes a nossa atitude com pessoas que são um pouco difíceis ou que são um pouco complicadas se exprime com estas palavras: “Mas é um problema dele, que se arranje…”. Mas Jesus nunca disse isto, ao contrário, sempre foi ao encontro de todos os marginalizados, dos pecadores. Era acusado por isto, por estar com os pecadores, pois levava até eles a salvação de Deus.