Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor (Ano B)

27 marzo 2024

MISSA DO DIA

Act 10,34a.37-43;
Sal 117;
Col 3,1-4;
Jo 20,1-9

Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria

COMENTÁRIO BÍBLICO-MISSIONÁRIO

Ver os sinais da ressurreição

“Aleluia! Cristo ressuscitou!” Assim, com alegria saudamo-nos nesta manhã muito especial de Domingo da Ressurreição. Esta exclamação é também a nossa humilde profissão de fé na ressurreição de Cristo a ser anunciada ao mundo. É o Mistério dos mistérios que ainda hoje se actua na celebração litúrgica e na vida de cada um de nós. E o Evangelho deste domingo, o Evangelho de São João, que na realidade lemos todos os anos na “Missa do Dia”, ajuda-nos a entrar ainda mais na atmosfera mística e misteriosa do “primeiro dia da semana” da ressurreição de Cristo. A releitura atenta de certos detalhes desta passagem do Evangelho leva-nos a (re)descobrir aspectos importantes para compreender e viver cada vez mais intensamente a nossa fé em Cristo Ressuscitado como Seus discípulos missionários.

1. A “história de detective” da pedra removida do túmulo e as corridas matutinas dos discípulos

O relato Joanino do que aconteceu naquela manhã assemelha-se a uma história de detectives. Deve, por isso, ser seguido e meditado em pormenor, a fim de captar os pontos-chave que lançam luz sobre a mensagem. Tudo começa com a descoberta feita por Maria de Magdala da pedra removida (do túmulo de Jesus) e a alegada ausência do Seu corpo. Isto levou-a a ir ter com os dois discípulos, Pedro e o outro, indicado como «o discípulo predilecto de Jesus», para lhe contar o facto. Também eles correram para o túmulo, «mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro.»

Eis o primeiro pormenor que intrigou alguns ouvintes/leitores curiosos de hoje e do passado. A primeira e mais simples explicação é que o outro discípulo é mais forte ou mais novo do que Pedro. Alguns até especularam que o outro discípulo, tradicionalmente identificado com o apóstolo João, era mais rápido porque era solteiro, ao contrário de Pedro, que era casado!

Do texto, porém, se deduz a única diferença entre estes dois discípulos, que pode ser a chave para compreender o que aconteceu: esse outro discípulo é referido como «o predilecto de Jesus». Por outras palavras, segundo o texto evangélico, a qualificação distintiva do discípulo que correu mais depressa é aquela do amor especial entre Jesus e ele. Obviamente, o divino Mestre amava todos os Seus discípulos, incluindo Pedro, e amou-os até ao fim (cf. Jo 13,1-2), como mencionámos na nossa reflexão de Sexta-feira Santa. Portanto, a particularidade sublinhada do amor entre o Mestre e um discípulo parece referir-se não só ao amor de Jesus por ele, mas também à intensidade do amor que o discípulo tinha por Jesus. E foi precisamente este amor que “impeliu” o discípulo amado a correr o mais depressa possível para o túmulo para encontrar o amado Mestre.

2. O caminho para a fé na ressurreição

Esse amor intenso do discípulo pelo Mestre também parece ser a chave para compreender o que aconteceu depois junto do sepulcro. Aqui, notamos outro pormenor intrigante da história: “o que é que Pedro e o outro discípulo viram?” Vejamos a sequência dos acontecimentos para compreender melhor. O discípulo predileto chegou primeiro e viu inicialmente «as ligaduras no chão» do túmulo, «mas não entrou». Depois, Pedro, que chegou mais tarde, «entrou no sepulcro [primeiro] e viu as ligaduras no chão e o sudário.» Por fim, «entrou também o outro discípulo, (...) viu e acreditou

Há séculos que as pessoas se interrogam sobre a causa deste “viu e acreditou” por parte do discípulo amado. Deve salientar-se imediatamente que o verbo aqui está rigorosamente no singular e se refere claramente a ele. O texto não faz, portanto, qualquer menção à “fé” de Pedro, apesar de ele ter visto tudo o que o outro discípulo viu mais tarde. Pelo contrário, e isto deve ser sublinhado, o Evangelho sublinha imediatamente que «(os dois) ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.» O que significa tudo isto?

Tudo isto parece realçar as duas vias de se chegar à fé na ressurreição de Cristo. A primeira baseia-se numa compreensão correcta das Sagradas Escrituras, e podemos dizer que nenhum dos discípulos tinha chegado a esse conhecimento naquele momento no túmulo. A segunda via possível advém da experiência directa dos sinais que Cristo crucificado e ressuscitado nos deixou. Aqui, porém, embora Pedro e o outro discípulo tivessem visto as mesmas coisas, apenas este último “acreditou”. Porquê?

Alguns responderam que o discípulo amado só notou a posição “estranha” do sudário depois de entrar no túmulo, mas isto não parece ser uma explicação plausível. Outros quiseram limitar o significado do verbo “crer”, não como uma manifestação de fé na ressurreição (de Jesus), mas apenas como uma referência ao “reconhecer” como verdadeiro o que Maria de Magdala tinha dito anteriormente sobre o corpo roubado. Esta justificação bastante banal também não me satisfaz. A única resposta satisfatória que também vós que estais a seguir esta “história de detectives” intuistes bem é o amor. Aquele amor pelo Mestre que iluminou e levou o discípulo amado “do ver ao crer”, a reconhecer e “compreender” o mistério inaudito. Não é por acaso que será sempre ele, o discípulo amado, o primeiro a reconhecer o Mestre ressuscitado durante a Sua aparição nas margens do Mar da Galileia, e a informar Pedro do facto (cf. Jo 21,7). É a inteligência do coração que abre a inteligência da mente.

3. Ver os sinais do Ressuscitado

A ressurreição de Jesus é o Mistério divino, que como tal permanece sempre elusivo para a mente humana. Isto também se aplica às aparições do Senhor ressuscitado que tiveram lugar de acordo com a vontade e sabedoria de Deus e não a dos homens, como se afirma na primeira leitura: «Deus ressuscitou-O [Jesus] ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos.» Por outro lado, o Ressuscitado dirá aos apóstolos: «Felizes os que não viram e acreditaram!» (Jo 20,29). (Podemos recordar que Ele rezou por estes “bem-aventurados” que só acreditam com base nas palavras dos apóstolos [cf. Jo 17,20]). Este acreditar bendito é uma graça que, no entanto, precisa de florescer constantemente mesmo nos discípulos de Jesus. Ela deriva do testemunho apostólico, mas também da experiência dos sinais do Senhor Ressuscitado nas suas vidas. E estes só serão perceptíveis através do amor.

Como meditámos na Sexta-feira Santa, Jesus amou os Seus discípulos até ao fim. E continuou a amá-los para além do fim! Morreu por amor e ressuscitou no amor. Hoje como então, Cristo mostra sempre aos Seus discípulos os sinais concretos da Sua ressurreição. Aliás, acompanha-os em missão com os sinais da Sua presença real e operante. Estes sinais são por vezes tão simples como as ligadduras e o sudário, e outras vezes tão ambíguos como aquela “pedra retirada do sepulcro” que pode aludir a um roubo do cadáver ou a uma demonstração deliberada do túmulo vazio: «Não está aqui; ressuscitou» (Lc 24,6). (Era útil a Cristo ressuscitado, que de seguida pode entrar em lugares mesmo com as portas fechadas [cf. Jo 20,19.26], retirar a pedra para sair do túmulo?) Por isso, a questão fundamental é esta: qual dos seus discípulos verá estes sinais do Ressuscitado e acreditará primeiro, indicando-os aos outros?

Que Deus abra os olhos do nosso coração, para que possamos contemplar esta manhã, diante do túmulo vazio, a presença do Mestre morto e ressuscitado, que amou os Seus até ao fim, aliás, para além do fim. E que possamos discernir no amor os sinais da Sua ressurreição à nossa volta, para que possamos entrar na alegria de uma vida que renasce continuamente n’Ele apesar de todas as dificuldades, tribulações, tragédias e mortes. “Cristo ressuscitou! Ele está verdadeiramente vivo!”